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Destaques da Semana

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Pergunta do Internauta Paulo Martins: “Professor Antonio Marcos, procure saber por que da existência de dois Santos Sepulcros na Terra Santa?”

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                "Por que existem dois Santos Sepulcros em Israel?" A pergunta do amigo Paulo Martins já me foi feita algumas centenas de vezes e de muitos modos por alunos e estudantes de teologia. Lembro-me da maneira mais singular que alguém já a formulou para mim: “é verdade que Jesus teve dois sepulcros em Jerusalém?”. A questão é importantíssima para se conhecer mais profundamente a realidade histórica e geográfica da cidade Antiga de Jerusalém. Fiquei muito feliz por escrever sobre esse assunto agora, pois acabo de chegar de Israel e tive a oportunidade de estudar in loco as questões históricas relativas ao sepulcro de Jesus.

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O judaísmo possui uma série de regras sobre o cumprimento dos mandamentos da Toráh. Elas determinam as obrigações religiosas, alimentares, comunitárias, éticas e sociais. São ao todo 613 regras ou direcionamentos para vida. Todas são baseadas nos escritos do Pentateuco, os cinco primeiros livros da Bíblia. Entre estas regras fica explícito que muitas coisas tornam a pessoa impura, religiosamente falando. Estar impuro não significa que a pessoa seja pecadora, mas que ela deva ficar temporariamente longe do espaço sagrado para uma melhor integração com a comunidade e com Deus. Entre o que torna a pessoa impura é o contato com os mortos. Tudo o que gera a morte ou elimina a vida é impuro para o judaísmo. Por exemplo, as mulheres no período menstrual expelem o que potencialmente poderia se tornar uma vida humana, por isso elas, neste tempo, são consideradas impuras. Com o final do ciclo elas devem apresentar-se na sinagoga e purificar-se com um banho ritual na mikvêh, piscina ritual com água corrente. O contato com mortos é o que se pode considerar de mais impuro no judaísmo. Só para se ter noção, os textos que tratam sobre esse assunto dizem que só os sacerdotes podem ter contato direto com um falecido, mas estão proibidos se forem seus parentes mais próximos, o sumo-sacerdote, não podia tocar nem no seu pai ou na sua mãe falecidos. Os mortos deveriam ser enterrados longe dos lugares nos quais as pessoas viviam.

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Quando o “processo” de Jesus terminou, após ser enviado por Pilatos para a sua via-dolorosa, os soldados romanos o levaram para fora dos muros da cidade, para um lugar chamado Gólgota, lugar no qual ele foi crucificado e morto. A palavra “Gólgota”, em hebraico, “gulgólet”, significa “lugar da caveira”. Sabemos que este lugar era um monte fora dos muros da Jerusalém do tempo de Jesus e que estava relacionado com as caveiras dos mortos que não eram sepultados e ficavam naquele lugar ou com o formato do monte, que poderia lembrar uma caveira. Os evangelhos mencionam também que o túmulo no qual Jesus colocado estava próximo do monte Gólgota e que havia um jardim perto dele. Estas são as únicas pistas para se determinar o lugar do Santo Sepulcro. Nos três primeiros séculos da era cristã, não foram construídos memoriais para estes lugares. Eles lembravam a dor do sofrimento que deveria ser apagado da memória para voltar às atenções para a nova vida do Cristo ressuscitado.

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Um século mais tarde, no período do imperador romano Constantino, o grande, um novo interesse começa a reaparecer sobre estes lugares nos quais Jesus passou seus últimos momentos. Devemos esse interesse histórico e religioso a uma pessoa: Helena, mãe do imperador Constantino. Segundo nos contam os historiados cristãos, após a tomada do Império Romano do Ocidente, o imperador atribuiu a vitória a uma visão da cruz de Cristo que ele teria visto na noite anterior a batalha decisiva na ponte Mílvio contra seu rival Maxêncio. Em seguida a visão ele teria escutado uma voz que lhe disse “com este sinal, vencerás a batalha”. Da noite para o dia ele mandou colocar o sinal da cruz nos estandartes e escudos de batalhas. A vitória fez com que o novo imperador acabasse com as perseguições aos cristãos e os integrasse na sociedade romana. No entanto, antes mesmo deste acontecimento, Constantino já conhecia o cristianismo, pois sua mãe, Helena já mantinha discretamente a fé em Jesus. Constantino foi um homem ambíguo em relação a fé, não se dizia cristão, mas defensor dos cristãos. Ele fez muitas leis que são claramente de influência cristã, como o fim do infanticídio e leis que favoreciam a família. Mas ele só pediu o batismo no leito de morte, como um costume antigo, pois o batismo apagaria todos os pecados, garantindo-lhe uma passagem para o paraíso. Mas ao longo de sua vida ele foi devoto de outros deuses, como o Deus Sol Invictus, Mitra, cultuado pelos soldados romanos. Constantino também era um homem em constante tensão por causa das ameaças de insubordinação e de conspirações. Por esse motivo ele acaba mandando matar a sua esposa e seu filho. Para Helena, o pecado do filho não teria perdão, a não ser que ele recebesse o perdão divino e se convertesse de fato. Como forma de se penitenciar pelos pecados do filho e buscar a graça da conversão do imperador, Helena parte em peregrinação para a Terra Santa. Ela tinha apenas partes do Novo Testamento e uma fé inabalável. Sabemos que toda essa jornada foi patrocinada por Roma e que seus objetivos estavam muito além da indulgência do filho. Helena queria encontrar os lugares nos quais Jesus com certeza teria passado, em especial o lugar do nascimento e da morte de Jesus.

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Helena contratou uma equipe de pessoas para levá-la aos locais que os cristãos cultuavam como lugar da paixão de Jesus. Em Jerusalém, após várias escavações e comparações dos lugares com os do texto bíblico, ela acaba encontrando um monte e enterrada nele três cruzes, assim como nos relatos dos evangelhos. Ela compreende que este é um sinal da providência divina. Continua a sua procura e encontra próximo do lugar um sepulcro. Então ela não tem dúvida. Era o monte Gólgota e o túmulo de Jesus. A imperatriz manda construir uma igreja no Gólgota e em torno do sepulcro, manda cortar a rocha e a separá-la do restante do monte. Assim começa a história do Santo Sepulcro. Estas construções foram destruídas e reconstruídas centenas de vezes, atingidas por guerras e incêndios. Sua arquitetura foi também transformada, hoje é uma enorme igreja que abarca os três momentos finais de Jesus: a crucificação, a deposição de seu corpo e a sepultura vazia.                                                                     

 

O Sepúlcro foi separado do rochedo e coberto por uma capela e depois de séculos, em volta dele foi sendo construído um complexo de capelas e espaços de oração.

No século XIX, um militar e arqueólogo chamado George Gordon descobriu um lugar, que em sua concepção corresponderia mais corretamente ao lugar que Jesus foi sepultado. Para Gordon não fazia sentido a Igreja do Santo Sepulcro estar no meio de Jerusalém, dentro de seus muros, uma vez que os relatos dizem que Jesus foi crucificado fora. Ele descobriu fora dos atuais muros da cidade uma pedreira que lembrava uma caveira e próximo a ela um túmulo com uma pedra redonda de rolar. Ele então começou a chamar o lugar de Jardim do Túmulo, o verdadeiro sepulcro de Jesus.

 

 A descoberta fez com que a comunidade científica pesquisasse mais profundamente o lugar. As análises são muito divergentes: para alguns o sepulcro não era novo, mas muito mais antigo e anterior à época de Jesus, impossibilitando a veracidade do lugar; em outras análises ele tem partes muito recentes, posteriores ao primeiro século. Gordon não considerou que a “caveira” poderia ser a menção não do formato da pedreira, mas dos crânios dos prisioneiros executados. Outro indício da não autenticidade do sepulcro de Gordon foi a descoberta de muralhas antigas, do início do primeiro século, abaixo do nível da atual Jerusalém (que foi reconstruída por Suleiman, o magnífico, no séxulo XVI) e dentro da cidade, que comprovam que o Gólgota estava mesmo fora dos muros da cidade principal, no tempo de Jesus. Esses muros podem ser visto na maquete que está no Museu de Israel, em Jerusalém. No entanto, o Jardim do Túmulo é um espaço também importante, no qual podemos ter a noção de como era um túmulo judaico na antiguidade, além de ser um espaço agradável com jardins que convidam a oração silenciosa. 

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 O tempo transformou tanto o autêntico Santo Sepulcro que não conseguimos ter a noção de como ele era no tempo de Jesus e no tempo de Helena. Mas se não houvesse a iniciativa desta mulher, talvez não tivéssemos esse importante lugar que nos coloca diante do acontecimento fundante da fé cristã: a ressurreição de Jesus. Em minha última visita a estes dois espaços, eu pude comprovar a fé que emana de cada um destes lugares. As pessoas que ali se encontram não querem apenas tocar nas pedras que um dia serviram para apoiar o corpo do Senhor, mas para reafirmar a sua fé que ele não está morto, mas que ressuscitou e que misteriosamente continua vivo no meio de nós.

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Professor Antonio Marcos

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