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Jesus não era cristão... nem Maria?


Me surpreendi certa vez ao ouvir uma pessoa dizer que Maria rezava todos os dias o terço. A piedade popular deve ser profundamente respeitada, mas tudo tem limite. Maria nunca rezou o terço, na verdade Maria nem era cristã! Estamos tão acostumados com nossa maneira de rezar e de vivenciar a fé dentro de um universo próprio que nos esquecemos que as figuras mais importantes do cristianismo não eram cristãos. Na verdade, no início do primeiro século não existia ainda cristianismo. Jesus, Maria, José, os discípulos, todos eram judeus e viviam segundo os costumes desta religião. As pesquisas histórico-teológicas nos apontam como poderia ser o cotidiano de nossos personagens.

Maria nasceu e se criou na cidade de Nazaré, lugar pouco conhecido na tradição bíblica, região montanhosa, no norte de Israel. Era uma cidade pacata, que tinha como local mais popular um poço no qual as mulheres se encontravam para pegar água paras as necessidades domésticas e para conversar. Os homens trabalhavam como construtores e artesão nas cidades vizinhas como Séforis, que estava em plena ascensão, pois era uma das sedes do Sinédrio judaico, centro administrativo da Galileia, rota para Damasco e em breve, parte da jurisdição romana se instalaria ali. Os pescadores de Nazaré, em grande parte acabavam se mudando para vilarejos mais próximos do Quinéret, conhecido também como Mar da Galileia (que na verdade é um grande lago). Nazaré tinha também uma pequena sinagoga, lugar de oração, devoção e de debates comunitários. Próxima desta sinagoga provavelmente existiu uma piscina ritual, chamada em hebraico mikváh, na qual as mulheres precisavam se purificar religiosamente após o ciclo menstrual. Foi neste lugar simples que Maria se casou com José, segundo os costumes judaicos, tendo que cortar os cabelos e festejar por uma semana.

Mesmo vivendo de forma pacata e simples, Maria e José tiveram que ir muitas vezes para a cidade mais importante em Israel: Jerusalém. Sendo o centro da vida espiritual do judaísmo do primeiro século, ao menos três vezes ao ano o povo devia peregrinar para lá. Maria estava próxima de Jerusalém quando sentiu as dores de parto. Belém ficava cerca de 10 km de Jerusalém. Por isso, a mãe e o menino foram levados para o templo para cumprir suas obrigações religiosas. Jesus foi circuncidado aos oito dias de nascido; foi resgatado do serviço do templo após o período de purificação, 31 dias, e educado na fé do povo de Israel. O contexto de pobreza da família está implícito no texto bíblico que revela que o casal ofereceu um casal de pombas para “pagar” o sacrifício de purificação religiosa da mãe e do menino. Esta oferta era a oferta dos pobres, permitida para os que não possuíssem bens suficientes para oferecer outro animal.

Mas foi em Nazaré que o menino Jesus, já um pouco mais crescido, veio morar. Ali aprendeu dos pais e da comunidade a trabalhar, a devoção aos preceitos do judaísmo, a conhecer a Galileia com seu pai José, sempre em busca de trabalhos para sustentar a família e para pagar os diversos tributos romanos e judaicos. Foi ali que Jesus ao completar os 13 anos de idade, celebrou seu Bar Mitsváh, cerimônia de maturidade religiosa no judaísmo, no qual ele passaria a ser contado como membro da comunidade.

A educação religiosa, nesta cidade, era cargo dos fariseus. Os fariseus eram leigos que conheciam profundamente as escrituras judaicas e as tradições orais do povo de Israel. Não eram sacerdotes, mas tinham a responsabilidade de guiar e formar o povo para que fossem verdadeiros seguidores das leis judaicas. Neste sentido, podemos dizer que Jesus teve uma educação farisaica, ou mesmo, enquanto judeu, pertencia ao grupo dos fariseus. Foi com os fariseus que Jesus aprendeu a ler em hebraico e a discutir os assuntos pertinentes à interpretação dos livros sagrados e as aplicações das leis e rituais pertinentes ao cotidiano da vida. Jesus até se vestia como um judeu religioso, com o seu solidéu (Kipáh), com as franjas das roupas aparecendo para lembrar os 613 mandamentos da Toráh (o chamado tsitsit) e todos os apetrechos que só um autêntico judeu poderia usar. Comia o pão sem fermento na Páscoa Judaica (PêssaRR) e tomava o vinho para as bênçãos das celebrações. Jesus viveu e morreu como um judeu. Algumas de suas últimas palavras são na verdade parte de um salmo em hebraico (meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste).

Maria com certeza nunca rezou o terço (até porque ele só foi inventado na Idade Média), mas rezava as orações do seu povo e na chegada do shabat, era ela a convidada principal para acender as velas, rezar pela sua família e comunidade. Ela acendia as velas, colocava as duas mãos acima das chamas, em seguida, colocando as palmas sobre os olhos, rezava em silêncio, então, pronunciava as palavras sagradas, repetida por gerações de mulheres judias: bendito sejas tu, Senhor Deus, rei do universo, que nos santificaste em seus mandamentos e nos ordenaste aceder a vela do shabat.

Os últimos três anos da vida de Jesus se tornariam uma revolução para Maria e os discípulos de Jesus. Mas nem mesmo a ressurreição afastou os cristãos do templo de Jerusalém e de seus costumes. Será, inclusive, um grande desafio para os primeiros cristãos fazer tal corte e, principalmente, ter que decidir do que do judaísmo os cristãos serão herdeiros.

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