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Uma visão crítica sobre a Obra Histórica Deuteronomista e a história de Israel


Escriba deuteronimista

Thomas Römer é professor de teologia da Universidade de Lausanne e do Collège de France. Segundo a sua pesquisa, a Obra Histórica Deuteronomista (Dt, Jz, 1/2Sm e 1/2Rs), conhecida pela sigla Odtr, foi um projeto que deve ser contextualizado entre os altos funcionários de Jerusalém, entre os escribas. Sua tarefa seria a de manter os arquivos e registros dos impostos para as necessidades da corte e da elite urbana. Eles tinham os anais, estavam envolvidos na correspondência diplomática e compilavam as leis. Neste sentido, a descoberta no 18º ano do reinado de Josias, do rolo no templo de Jerusalém que é explicitado em 2Rs 22-23. O livro foi identificado como livro do Deuteronômio, pela Tradição da Igreja e também por comentadores judeus antigos. Para Römer, é o “mito fundante” dos deuteronomistas, uma propaganda que visava o apoio à reforma religiosa de Josias. A narrativa de 2Rs 22-23, foi evidentemente editada em estágios sucessivos, portanto, a finalidade desta redação foi substituir o culto no templo pela leitura do livro. Dt 12 é uma declaração extensa sobre a centralização do culto, ele insiste diversas vezes no fato de que YHWH escolheu para si um único lugar. Os vv.13-18 constituem o núcleo ao qual foram depois acrescentados primeiramente os vv. 8-12 e depois os vv. 2-7 e também, dirige-se a proprietários rurais bastante ricos que possuem escravos e gado. Seu autor adota a tradição jerosolimitana da escolha do templo-montanha por parte de YHWH e a transforma numa escolha exclusiva, incompatível com qualquer outro santuário. Ele se preocupa principalmente com as consequências práticas da lei da centralização e não faz muita insistência em explicar a necessidade da centralização. No livro dos Reis há uma cronologia contínua dos reis judaítas e israelitas desde Davi até Sedecias, último rei de Judá.

Professor Thomas Römer

Na edição exílica da História Deuteronomista os relatos do reinado de Saul, são concebidos como uma antecipação da ascensão de Davi e foi provavelmente complementado. Percebemos que em 1Rs 11,1-13 revela claramente que na edição exílica da História Deuteronomista apenas dois reis são figuras totalmente positivas: Davi e Josias. Os redatores exílicos de Reis adotaram a avaliação dos reis do Norte que provavelmente já figurava na edição josiânica. O último rei Oséias “fez o que era mau aos olhos de YHWH, mas não como os reis de Israel que foram antes dele” (2Rs 17,2). Os primeiros reis, e especialmente os omrídas, são os piores; na História Deuteronomista a maioria deles são alvo de oráculos de aniquilação. Ao contrário da edição josiânica, a edição exílica de Reis já não podia focalizar Israel como contraste para a “reforma” de Judá sob Josias. Por isso o fim de Israel foi apresentado como um prenúncio do fim de Judá. A história do reino judaíta até o fim de Israel oferece uma alternância de reis que são julgados quase positivamente e reis que são considerados tão maus quanto seus colegas do Norte. O fim de Judá só é adiado por causa dos dois reis excepcionais (aos olhos dos deuteronomistas) Ezequias e Josias, cujos reinados são pontos altos do último período da História Deuteronomista. Entre os reinados de Ezequias e Josias os deuteronomistas retratam dois reis muito maus, Manassés e Amon (2Rs 21). Depois de Josias seguem quatro reis igualmente maus em cujo reinado Judá finalmente sucumbe. O rei Manassés, pertence à lista deuteronomista dos piores reis. Em contraste com Ezequias, não acrescentam aspectos negativos à apresentação de Josias (2Rs 23), que continua sendo o rei exemplar. Os quatro últimos reis (Joacaz, Joaquim, Joaquim e Sedecias) estão novamente taxados negativamente. Finkelstein e Silberman propõem que a maioria dos textos bíblicos nasceu em Jerusalém na época da reforma do rei Josias no século VII, neste sentido a narrativa da monarquia é baseada em material deste período.

No entanto, é difícil remontar historicamente a história da monarquia apenas pelos textos bíblicos. O problema é que as evidências arqueológicas para a grande extensão das conquistas, por exemplo, davídicas e para a grandiosidade do reino salomônico foi o resultado de datações arqueológicas equivocadas. O fim da cerâmica filistéia era a base para datações na chamada arqueologia bíblica antiga, esta é no entanto problemática, pois sabe-se hoje que ela continuou após Davi e não serve mais para datar suas conquistas; também porque os estilos arquitetônicos e as cerâmicas de Hasor, Gezer e Meguido atribuídos à época salomônica são, de fato, do século IX; e, por enfim, testes com o Carbono 14 em Meguido e outras localidades apontam para datas da metade do século IX. Arqueologia mostra hoje que é preciso reduzir as datas em cerca de um século, assim, aquilo que se atribuía ao século XI é da metade do século X e o que era datado na época de Salomão deve ser visto como pertencendo ao século IX. Essas informações nos revelam um novo quadro sobre as “monarquias”.

No século décimo, no sul, no sentido de governo, não se possuía nenhum império, nem cidades com palácios, nem uma espetacular capital. Arqueologicamente, de Davi e Salomão só podemos dizer que eles existiram - e que sua lenda como grandes impérios perdurou. Entretanto, quando o Deuteronomista escreveu sua obra no século VII, Jerusalém tinha todas as estruturas de uma sofisticada capital monárquica. O ambiente desta época é que serviu de pano de fundo para a narrativa de uma mítica idade de ouro dos dois reis. Uma elaborada teologia ligou Josias e o destino de todo o povo de Israel à herança davídica: como a unificação do território, o fim da idolatria da época dos Juízes e a concretização da promessa feita a Abraão de um poderoso reino. Josias foi visto com o novo Davi. Assim, em âmbito histórico, não existe evidências de uma monarquia unida governada por Jerusalém, no máximo podemos dizer que existiam duas diferentes entidades políticas na região montanhosa de Canaã.

As pesquisas arqueológicas revelam que a região norte sempre aparece mais povoada, com uma complexa hierarquia de grandes, médios e pequenos sítios arqueológicos e sempre mais fortemente ligada à agricultura. A região sul sempre aparece como mais menos povoada, com pequenos sítios arqueológicos e uma população de grupos nômades mais significativa. Podemos pensar num Israel do Norte politicamente mais forte que o do Sul. Como exemplo, para os autores, os testemunhos extrabíblicos nos permitem ver os omríadas sob diferente perspectiva do da descrição bíblica, exercendo forte papel aí como na Estela de Mesha, a Inscrição de Tel Dan e os testemunhos assírios, como a Inscrição de Salmanasar III, que cita os dois mil carros de combate usados como parte de uma coalizão da Síria, Israel e Fenícia contra as suas investidas na região. As escavações de Samaria, Meguido, Hasor e Dan mostram os omríadas como grandes administradores e construtores. Assim, para os autores, o que até então era atribuído a Salomão pode tranquilamente ser considerado como omríada. E eles mostram características comuns nas cidades de Samaria, Jezreel, Hasor, Meguido e Gezer, para eles, todas resultantes de atividades da dinastia de Omri. Como consequência, Salomão e Jerusalém ficariam bastante diminuídos. Se a história bíblica segue outra direção, é justamente por valorizar, em sua ideologia política-religiosa uma centralização e predileção ao Israel do Sul. Segundo Mario Liverani, a história de Israel, como narrada em âmbito bíblico, é uma história inventada, construída pelos judaítas durante e após o exílio babilônico, que projetam no seu passado os problemas e as esperanças de sua época. Ela é fruto de uma ideologia nacionalista no período do exílio.


O autor afirma que a Obra Histórica Deuteronomista não pode ser situada antes da época do exílio, pois o desastre de Judá tem um papel bastante importante. Ela deve ser atribuída a uma corrente ou escola de pensamento que teve inicio com a reforma de Josias para se prolongar depois no tempo por algumas gerações. A obra quer seguir no decurso do tempo os episódios da relação entre Deus e o seu povo, para explicitar a relação de fidelidade ou traição e consequentemente as sortes positivas ou negativas dos reinos de Judá e de Israel. Ligando, provavelmente no período josiânico, Moisés, Josué, Davi e Salomão com o próprio Josias, no que o autor chama de um “monoteísmo retroativo”. Neste sentido, a centralização do culto no Templo único de Jerusalém como uma medida política de unificar o povo e de fazê-los aderir o pacto afim de que Deus pudesse recompensar, como fez aos seus “ancestrais”.


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