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O anjo do Senhor anunciou a JOSÉ – os “José’s” da bíblia: qualquer semelhança é proposital


Pouco de se fala de José, pai adotivo de Jesus, na Bíblia. Existem muitas questões históricas não resolvidas sobre esse personagem bíblico, como sua profissão, se ele era viúvo, se ele tinha outros filhos antes de se casar com Maria, se morreu cedo, se ele e Maria tiveram outros filhos, como era o relacionamento dele com Jesus. Talvez estas perguntas nunca sejam de fato respondidas. As descobertas arqueológicas não trouxeram respostas tão específicas sobre nosso personagem e a literatura extra-bíblica que temos acesso é de cunho religioso e tem pouca credibilidade tanto histórica como teologicamente falando.

Só para entendermos melhor, existem vários textos datados a partir do III século cristão, relacionados com o Novo Testamento que não foram aceitos pela comunidade cristã como livros inspirados e por isso não eram lidos publicamente nas igrejas cristãs. Ficaram conhecidos como apócrifos (no linguajar protestante “pseudoepígrafo). Muitos destes livros são narrativas piedosas e fantásticas sobre personagens do Novo Testamento. Não eram proibidos de serem lidos, mas não faziam parte dos ensinamentos “catequéticos” da comunidade. Muitos destes escritos queriam apenas reforçar conceitos importantes para um cristão piedoso ou responder perguntas e curiosidades que não eram claras nos evangelhos.

Um dos mais antigos é o chamado “Protoevangelho de São Tiago”, ele narra que a virgem Maria desde que tinha três anos de idade vivia no templo de Jerusalém e que José, que era viúvo, foi designado para cuidar dela quando esta cumpriu os doze anos. Os sacerdotes do Templo reuniram todos os viúvos e um prodígio ocorrido com José, que consistiu em surgir uma pomba do seu cajado, fez que fosse ele o escolhido. Outros apócrifos mais recentes contam uma história semelhante. O “Pseudo Mateus” conta que o cajado de José floresceu milagrosamente. O livro também relata o nascimento de Jesus, quando José ia com Maria até Belém. Narra que José buscou uma parteira, que pôde comprovar a virgindade de Maria no parto. A morte de José é o tema principal da “História de José, o Carpinteiro”, o livro conta que ele estava angustiado, esperando a morte, mas então é reconfortado pelo filho adotivo e por sua esposa no leito de morte.

Seja como for, estes textos não podem ser compreendidos como fonte segura para completar as lacunas históricas sobre os personagens bíblicos, mas são uma fonte curiosa sobre como os primeiros cristãos se preocupavam com estas questões. O que se pode dizer a partir das fontes canônicas é que José era considerado um homem justo, trabalhador de construção (tekton em grego), uma pessoa simples e pobre. Ele era da linhagem da família do rei Davi, assim como Maria e, surpreendentemente, teve um destaque importantíssimo no Evangelho de Mateus.

Mateus é o evangelho que mais faz referência a José. Na verdade, somente Mateus e Lucas tem uma real preocupação com este personagem, pois são os únicos que trazem as narrativas sobre a infância de Jesus. Marcos não fala nada sobre José e as menções sobre ele no Evangelho de João, por exemplo, são apenas para mencionar a afiliação de Jesus (“filho de José” - Jo 1,45). No Evangelho de Mateus José tem uma importância maior até que a de Maria, ou como costumo dizer, “o valor que Maria tem no evangelho de Lucas é o mesmo que José tem em Mateus”. Considerando que o Evangelho de Mateus é mais antigo que Lucas, pode-se dizer, que José teve uma importância significativa para as primeiras gerações de cristãos.

Algo chama atenção na narrativa mateana: a sobrenatural ciência que José tem do seu presente e do seu futuro. Ele é alertado por um anjo de Deus em sonho sobre o nascimento de Jesus, sobre o perigo que corre o menino Jesus em Belém, foge para o Egito e retorna, anos depois para Israel por meio dos mesmos sonhos e do anjo que um dia transformou radicalmente sua vida pacata.

Pode-se perceber um movimento e intencionalidade na narrativa. Quem conhece um pouco sobre a cultura judaica já ouviu fala de midraxe. Este termo refere-se a um tipo de narrativa bíblica que faz conexão entre situações, pessoas e contextos para reforçar um ensinamento da tradição. Os “midraxes” podem ser escritos em forma de narrativas, discursos sapienciais, histórias, contos, etc. Não estão preocupados com a historicidade do fato ou dos acontecimentos, mas com o sentido profundo do ensinamento bíblicos para os ouvintes. No caso de José, parece que o midraxe começa a partir do seu próprio nome, pois Yosef, em hebraico é aquele que reúne, multiplica, acrescenta. José é uma figura discreta, que acolhe e protege, que acrescenta a vida de uma família a uma jovem grávida.

Mas o midraxe vai além, relaciona o José, pai adotivo de Jesus com José, filho de Jacó com Raquel, no Antigo Testamento. Este personagem é lembrado também pelo seu dom extraordinário. Ele também tem sonhos premonitórios sobre seu futuro de glória sobre seus irmãos, e isso os irrita tanto que eles decidem matá-lo. Os irmãos acabam vendendo José para comerciantes que o levam para o Egito, como escravo. Os irmãos contam para seu pai Jacó que um animal feroz matou seu filho predileto.

Anos se passam. No Egito José vai ganhando destaque pela sua sabedoria e zelo por sua fé no Deus de seus antepassados, mas repentinamente, o destino parece dar uma volta: acusado injustamente de assediar a esposa de Putfar, seu senhor, ele acaba preso e por providência, também na prisão vai ganhando confiança dos prisioneiros e dos carcereiros. Ele acaba desvendando o sonho de dois dos prisioneiros que estão com ele e, quando o próprio faraó tem sonhos angustiantes, que seus videntes não conseguem decifrar, é a José que se é apelado para a decodificação. José não dá apenas a interpretação do sonho do faraó, mas também a solução para o problema implicado, então o faraó o nomeia vizir do Egito, responsável pelo armazenamento dos alimentos e sua negociação. Justamente por causa da escassez de alimentos que os irmãos de José recorrem ao Egito. O reencontro é dramático, mas no fim, José perdoa os irmãos e acaba trazendo seu pai e seu clã para o Egito, numa terra que lhes garantiria a sobrevivência e a salvação.

Os dois José’s tem sonhos premonitórios, são escolhidos por Deus para salvar seus amados e ambos recorrem ao Egito para isso... qualquer semelhança não é coincidência! Esta foi a forma de contar a história... a habilidade impar do evangelista em apresentar José a partir de um midraxe bem elaborado que, com certeza, agradou o seu público de destino e mostrou a importância dos homens e mulheres na ação de Deus na história. Jesus foi salvo por José para que pudesse ser o salvador da humanidade. Nas mãos de um homem simples estava uma dignidade escondida que combinava muito bem com um Deus que fez a escolha radical por viver no meio dos mais pequeninos e fracos deste mundo.

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